sexta-feira, 25 de novembro de 2022

ARISTIDES GOMES NO TRIBUNAL DA CEDEAO

AO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA CEDEAO

ABUJA

ARISTIDES GOMES, maior, casado, natural da República da Guiné-Bissau, sociólogo, residente na Avenida Amílcar Cabral, em Bissau, República da Guiné-Bissau,

 vem propor o presente processo contra

ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, representado pelo Governo, nos termos do n.º 4 do art.º 9º do Protocolo Adicional A/SP1/01/05 Relativo à Emenda do Protocolo (A/P1/7/91) por violação da alínea g) do art.º 4 do Tratado da CEDEAO, revisto em 24 de julho de 1993, e outros instrumentos regionais e internacionais dos direitos humanos,

pelas razões de facto e fundamentos de direito que se passa a expor:

 

A-DO ENQUADRAMENTO DOS FACTOS

1.º

O cidadão Aristides Gomes, foi nomeado Primeiro Ministro no passado dia 22 de junho de 2019, pelo Decreto-Presidencial n.º 06/2019, na sequência de eleições legislativas de março do mesmo ano, nas quais o PAIGC - Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde foi o partido vencedor (Doc. 1).

2.º

Exerceu as funções do Primeiro-Ministro até o dia 28 de fevereiro de 2020, data em que foi exonerado ilegal e inconstitucionalmente por Umaro Sissoco Embaló, no dia a seguir àquele em que o mesmo se auto-proclamou Presidente da República, e segundo as suas palavras, tomou posse simbólica desse cargo (Cfr. Doc. 2: denominado Decreto Presidencial N.º 01/2020).

3.º

Na sequência da demissão referida no artigo anterior, os militares assaltaram e ocuparam todas as instituições do Estado, incluindo a sede do Governo.

4.º

No dia 01 de março de 2020, um grupo de agentes da Polícia de Ordem Pública e Guarda Nacional, após acérrima discussão e quase confronto com os militares da ECOMIB que mantinham a segurança da casa do ora Requerente, lograram cercar e invadir a garagem da sua residência, de onde retiraram as viaturas do Estado, chegando inclusivamente a entrar dentro da própria casa, sem que viessem munidos de ordem judicial (Doc. 3).

5.º

No dia 10 de março 2020, após análise e avaliação da situação de segurança do Primeiro-Ministro levada a efeito pelas Nações Unidas conjuntamente com as chefias da ECOMIB (força de interposição da CEDEAO estacionada na Guiné-Bissau desde o golpe de estado de 2012), foi o ora Requerente levado para as instalações do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação de Paz na Guiné-Bissau. Esta autêntica operação de resgate do Primeiro-ministro, levada a cabo pelo corpo de militares da ECOMIB, aconteceu por volta das 21.30 Horas do dia 10 de março de 2020, devido aos sérios riscos da vida e integridade física em que se encontrava.

6.º

Não desistindo da sua intenção de ofender e violar os direitos mais elementares do ora Requerente, o poder que se instalou na Guiné-Bissau, por via de um golpe de estado, em fevereiro de 2020, decidiu  utilizar as instituições judiciais, nomeadamente o Ministério Público, como forma de obrigar as Nações Unidas a retirar a protecção que até aqui lhe tem sido concedida.

7.º

Actos de perseguição, intimidação e tortura psicológica têm sido utilizados pelo Ministério Público contra o ora Requerente. A título de exemplo, passa-se a explicitar:

1- Pedido de entrega do ora Requerente ao Ministério Público dirigido à Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, de onde não consta nenhuma fundamentação fáctica e de direito para tal pedido;

2- Convidado pelo Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, para apresentar os factos que indiciassem a prática de crimes de que estaria a ser investigado pelo Ministério Público, este limitou-se a responder laconicamente, informando que havia um processo por corrupção em que o nome do Requerente havia sido citado.

3- Com o n.º 355/2020, foi forjado e  registado no Tribunal da Relação da Guiné-Bissau um processo crime, no âmbito do qual o Ministério Público notificou o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz (UNIOGBIS) da aplicação de medidas de coação impostas ao Requerente.

 

Informalmente, o Requerente tomou conhecimento do despacho no dia 1 de Setembro de 2020. Doc. n.º 4

4- As medidas de coacção mencionadas no despacho referido no número anterior, foram aplicadas com as seguintes violações de lei:

a) Medida de coacção pressupõe que o investigado seja previamente constituído arguido/suspeito. O Requerente nunca foi ouvido na qualidade de arguido/suspeito, o que significa que ignora totalmente os factos que lhe são imputados a título de crime, bem como os direitos e obrigações que a qualidade de arguido/suspeito lhe confere.

b) O magistrado do Ministério Público que aplicou as medidas de coação, exerce funções como Coordenador da Vara Crime do Tribunal Regional de Bissau (1ª Instância) e tem a categoria de Delegado do Procurador Geral da República. Por isso é absolutamente incompetente para  dirigir qualquer investigação criminal contra um Primeiro-ministro, que nos termos da lei, só pode ser investigado por um magistrado do Ministério Público com a categoria de Procurador da República,   exercendo funções no tribunal da Relação.

c) Sabendo desta sua incompetência, o Delegado do Ministério Pública que aplicou a medida de coação ao Requerente, subtraiu, fraudulentamente, papel timbrado da representação do Ministério Público junto do tribunal da Relação, onde apôs o seu despacho.

d) O despacho aqui mencionado impõe ao Requerente a obrigação de “não se ausentar, da Guiné-Bissau”; “não se ausentar, sem autorização dos presentes autos, das instalações da UNIOGBIS, local onde se encontra atipicamente albergado”; “entregar o seu passaporte às autoridades judiciais guineenses”. Todas estas medidas são restritivas do direito fundamental à livre circulação, plasmada na Constituição da República da Guiné-Bissau, medidas restritivas estas, que apenas podem ser aplicadas por um magistrado judicial.

 

8.º

A situação acima descrita foi objecto de denúncia internacional, nos termos do documento que se anexa com o nº 5

9.º

De cada vez que a Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas foi interpelada/pressionada pelo Ministério Público e pelo próprio auto-proclamado Presidente da República para entregar o Requerente às autoridades

 

judiciais, este apercebeu-se das hesitações e fragilidades da Representante Especial, o que constitui um factor de angústia e sofrimento indescritíveis, perante o embuste jurídico que rodeia todas estas investidas. O Requerente tem vivido uma autêntica tortura psicológica desde há 8 meses, desconhecendo até quando poderá aguentar a situação em que se encontra.

10.º

A actuação do Estado da Guiné-Bissau acima descrito, implica igualmente sérios danos políticos, profissionais  e económicos ao ora Requerente.

11º

Danos políticos porque o Requerente viu-se impedido de exercer acção política como cidadão livre que é, viu a sua imagem e bom nome conspurcados com falsas e graves imputações criminais, com grande eco na comunicação social nacional e internacional, o que constitui um grande revés para qualquer carreira política.

12.º

Danos profissionais, porque, ao entrar para o governo  como Primeiro Ministro, o ora Requerente tinha um contrato de docência com a SCIENCES PO PARIS para presidir e participar em júris, sendo igualmente investigador em ciências politicas junto de SCIENCES PO BORDEUX com projetos em países como Togo e Mali. Ao ser demitido e obrigado a refugiar-se nas instalações da ONU, deixou de ter condições para continuar a sua actividade profissional, mormente para se deslocar ou sequer para se candidatar aos créditos de investigação em França, que lhe permitiriam apoio financeiro para esses trabalhos de investigação.  Privado ficou, portanto, dos rendimentos que normalmente lhe advêm da sua actividade profissional.

 

B- DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO

13.º

O Estado da Guiné-Bissau, tem violado o direito do Primeiro-Ministro Aristides Gomes, quer porque a sua honra e bom nome têm sido postos em causa com as falsas acusações e falsos processos que são sempre tornados públicos, quer porque tem colocado a sua vida e integridade física em risco, o que o obrigou a permanecer refugiado nas instalações da UNIOGBIS há mais de 8 meses, com sequelas físicas e psicológicas não passíveis de uma avaliação real neste momento.

 

14.º

Com a actuação supra descrita, o Estado da Guiné-Bissau violou os direitos humanos do Requerente, mormente os consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição da República da Guiné-Bissau.

15.º

Uma vez que estas violações estão a ser perpetradas pelos próprios órgãos da República que têm por missão defender os direitos fundamentais dos cidadãos, não resta ao ora Requerente outra solução que não seja a de apelar e solicitar ao Tribunal de Justiça da CEDEAO a reparação dos seus direitos, tanto mais que esta conduta do Estado da Guiné-Bissau viola igualmente o Tratado da CEDEAO, revisto no dia 24 de julho de1993, no qual se comprometeu nos termos da alínea g) do art.º 4, a promover e proteger os direitos humanos dos seus cidadãos.

16.º

Outrossim, o Estado da Guiné-Bissau, viola o art.º 6 da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), ratificada pela Guiné-Bissau no dia 6 de março de 1986, art.º 9 do  Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pela Guiné-Bissau no dia, 1 de Novembro de 2010, ao não providenciar pela segurança pessoal, vida e integridade física do cidadão Aristides Gomes, enquanto Primeiro Ministro, facto confirmado com a retirada do corpo de segurança que mantinha a protecção a ele e aos seus bens.

17.º

O Comité dos Direitos Humanos do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos no seu comentário geral n. 35 em relação ao art.º 9 do PIDCP, na décima sexta sessão, reconhece e protege a liberdade pessoal e a segurança, proclamados nos termos do art.º 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual informa que, todos têm direito à vida, liberdade e segurança. O Comité enfatiza que o art.º 9 do PIDCP é de preciosa importância para os indivíduos e sociedade no seu todo. Para o Comité, a liberdade e a segurança da pessoa são preciosas por si mesmas e também porque a privação da liberdade e da segurança da pessoa têm sido historicamente os principais meios para prejudicar o gozo de outros direitos.

18.º

Por outro lado, o Comité informa que a liberdade pessoal diz respeito à liberdade de reclusão, não a uma liberdade geral de ação. A segurança da pessoa diz respeito à ausência de danos ao corpo e à mente ou à integridade física e mental.

 

19.º

As perseguições de que tem sido alvo através de processos crimes forjados, violam flagrantemente o art.º 12 da CADHP e o art.º 26 do PIDCP.

 

C- DA LEGITIMIDADE DO AUTOR E TRIBUNAL COMPETENTE

20.º

À luz do n.º º 4 do art.º 9º do Protocolo Adicional A/SP1/01/05 Relativo à Emenda do Protocolo (A/P1/7/91, o tribunal é competente, pois não se exige o esgotamento de mecanismos internos da Guiné-Bissau para impetrar uma acção no Tribunal de Justiça da Comunidade, por violação dos direitos humanos dos cidadãos. Além do mais, o Estado Guineense assumiu compromissos à luz do Tratado Revisto da CEDEAO em 24 de julho de 1993 de promover e respeitar os direitos humanos dos cidadãos.

 

D- Conclusao

21.º

Desta forma, com base no disposto na alínea g) do art.º 4 do Tratado da CEDEAO revisto em 24 de julho de 1993, art.ºs. 6.º e 12.º da CADHP e art.ºs. 9.º e 26.º do PIDCP,

a) requer-se ao Tribunal da Justiça da Comunidade, a condenação do Estado da Guiné-Bissau por violação dos direitos humanos do cidadão Aristides Gomes, nomeadamente, o direito à segurança pessoal, à liberdade pessoal e de acção política, ao seu bom nome  e consequente intimação para se abster da prática de actos que possam pôr em causa estes direitos e liberdades.

b) requer-se a condenação do Estado da Guiné-Bissau a pagar uma indemnização ao cidadão Aristides Gomes no valor de cem milhões de francos CFA (100.000.000.00 XOF).

 

Os Mandatários Judiciais

 

Junta: Procuração forense; duplicados legais; 4 documento

 

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