
Apesar da sua origem situar-se na etnia
manjaca (povo manjaku) — que vive maioritariamente na região costeira
de Cacheu, plantada no norte de Bissau —, a fama do pano de pente foi-se
espalhando por quase todo o território. Nos dias que correm, é muito comum
verem-se mercados tradicionais guineenses pintados com as suas
tonalidades, conquistando a atenção de cada turista que o vislumbre.
Outrora era usado exclusivamente em roupas e
cerimónias tradicionais. Os seus modelos e pigmentações variavam consoante as
ocasiões, alargando-o até às comemorações matrimoniais,rituais de
iniciação e funerais. Considerado sinónimo de riqueza para os manjakus,
o pano de pente passou a ser celebrado, também, como ícone de moda, ocupando um
lugar cativo nas mais diversas coleções e passerelles — africanas e
europeias.
A sua utilização transgrediu as fronteiras estilísticas. Hoje em dia, com a ajuda da Organização Não Governamental (ONG) Artissal, que atua nos domínios do desenvolvimento do Comércio Solidário e Justo guineense, é exportado. Além disso, graças a esta ONG, a história da tecelagem guineense tem sido perpetuada num atelier tradicional com produção própria, que incentiva e dinamiza a economia local.

A sua utilização transgrediu as fronteiras estilísticas. Hoje em dia, com a ajuda da Organização Não Governamental (ONG) Artissal, que atua nos domínios do desenvolvimento do Comércio Solidário e Justo guineense, é exportado. Além disso, graças a esta ONG, a história da tecelagem guineense tem sido perpetuada num atelier tradicional com produção própria, que incentiva e dinamiza a economia local.
A arte de tecer o pano de pente

Atualmente , e embora seja uma tradição manjaka,
são os homens da etnia papel que continuam a tecer os panos de
pente. Aprenderam tudo com os seus pais, transmitindo o legado para os seus
filhos e assim continuamente.
Ainda que os métodos de aprendizagem sejam os mesmos
de há largos anos, estes tecelões acreditam que desempenham uma atividade
sagrada. Defendem convictamente que os espíritos divinos são os
responsáveis pela passagem do testemunho. Estes, ao apoderarem-se das suas
cabeças, conseguem ajudá-los a desempenharem a tarefa prodigiosa e
demorada — para um painel de pano com cerca de 12 metros, é necessário um
dia de dedicação e mestria laborais.
Assim como a tecelagem, a utilização destes panos
continua a ser prestigiosa. É símbolo de estatuto social e, por este motivo, as
oferendas de panos de pente são consideradas uma honra. Além disso, são peças
de grande estima e dispendiosas, devido à sua principal
matéria-prima: o algodão — maioritariamente importado.
Segundo Mariana Ferreira, etnóloga e fundadora da
ONG Artissal, durante o século XII, devido à sua qualidade e à riqueza dos
seus padrões, o pano de pente chegou a ser uma moeda comercial africana.
Angariou doses astronómicas de fama e foi alvo de admiração, ficando
apenas reservado à classe nobre.
Os padrões que lhe conferem a singular estampa
são muito mais do que simples detalhes de ornamentação. Estes, para quem
os sabe interpretar, transmitem ensinamentos, provérbios,tradições,
relembrando algumas das memórias do país. Enquanto os fios vão sendo
entrelaçados, os ficiais vão produzindo estórias — e sempre
de forma coordenada. Há espaço para narrativas sobre o significado da pátria;
para os dizeres populares; para a confissão de sentimentos, como a angústia, o
luto, a felicidade ou o amor; e, ainda, para uma ode à “mãe natureza”.
A simbologia do pano de pente
De uma forma geral, cada peça tecida é encarada como
uma obra de arte, capaz de expressar a identidade cultural do povo
guineense. Segundo a etnóloga Mariana Ferreira, que recentemente memorizou em livro a simbologia e o misticismo do
pano de pente, os guineenses, independentemente da etnia, nutrem um profundo
respeito por este adereço histórico. “Não é um vulgar pedaço de
tecido; (…) é um vetor e testemunho de cada etapa de vida (…). Para os que
partem, é a riqueza além da vida; para os que ficam, a lembrança; sinal
de presença e de proximidade. (…) É um excelente meio de comunicação e um
código, através do qual se ensina e se aprende”, explicou.
Os mestres ficiais, que podem ser encarados como
verdadeiros domadores de teares, através de paus (os lliços) — que os
ajudam a “arquitetar” a obra — vão criando figuras geométricas, rostos e
contornos. Cada um dos panos que produzem mantém uma designação que resistiu ao
tempo e à informalidade da oralidade.
Segundo Mariana Ferreira, os “panus di pinti” com
abelhas são conhecidos como os panos “Baguêra”; os que possuem olhos de
vaca são denomindos “Udju di baka”; os que espelham imagens de árvores de
grande porte (as poilão) — consideradas elementos sagrados na Guiné-Bissau
— foram batizados de “Polôn”; e os que imprimem o alfabeto são conhecidos como
os “panus-letra”.
Embora o pano de pente seja uma figura assídua e
recorrente nos mercados de Bissau, continua a ter um papel crucial na
celebração de datas festivas ou em rituais. Por vezes, é apenas utilizado
em marcos pontuais, devido à sua inestimável preciosidade.
De acordo com as investigações etnográficas, em determinadas etnias, nas cerimónias de casamento — nas oficiais e nas tradicionais — é dado de presente, como símbolo de prosperidade e proteção. Nas festividades fúnebres, antes do enterro, é colocado junto do corpo do defunto — também pode servir de mortalha (“mortadja”). O prestígio e riqueza passam a ser medidos consoante o número de panos dispostos. Além destas, também é, por exemplo, exibido em festejos de nascimento (de um filho ou neto).
Na Guiné-Bissau, quantos mais panos de pente encherem
uma mala, melhor. Necessitam de ser preservados e amealhados durante toda
uma vida — missão que é, também, perseguida pelas gerações vindouras. São
comprados, dobrados e guardados religiosamente, naquela que, por vezes, pode
ser a única peça de mobília de um quarto: uma espécie de cofre-forte. Depois de
serem usados como segunda pele de muitos, somente em ocasiões
específicas, voltam a ser acomodados em quatro paredes e depositados num lugar
seguro.
No fundo, o panu di pinti é percecionado
como um tesouro merecedor do seu próprio baú; da sua casa-museu:
“lugar destinado ao estudo das artes; onde se reúnem curiosidades de qualquer
espécie ou exemplares artísticos; de especial interesse devido ao seu
valor artístico, patrimonial ou histórico” (definição que consta no Dicionário de
Língua Portuguesa Priberam).Somos uma entidade sem fins lucrativos que
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Notabanca; 01.05.2019
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