MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA (AINDA) NÃO É COISA DO PASSADO NEM ESTÁ ASSIM TÃO LONGE COMO PENSA
Beryl Magoko tinha apenas 10 anos quando foi circuncidada no Quénia, o país onde nasceu. Uma experiência traumática que nunca mais esqueceu. "Lembro-me de tudo, das cores, dos cheiros, das mãos sujas de quem me mutilou e das muitas dores que senti", confessou a realizadora africana em entrevista ao site alemão Deutsche Welle na altura em que estava a promover "In search", o documentário que fez para sensibilizar o mundo para o problema da mutilação genital feminina, um flagelo dos tempos que correm.No Quénia, a prática (só) foi abolida há precisamente 10 anos, em 2011, mas os anos que passaram (ainda) não foram suficientes para mudar mentalidades. "Nas zonas rurais, uma rapariga que não é circuncidada é, mesmo nos dias de hoje, considerada impura. A pressão social que ainda existe sobre elas é enorme", lamenta.
Durante muitos anos, Beryl Magoko, traumatizada, não conseguia sequer falar do assunto, que ainda hoje é tabu para muitas mulheres de etnia africana. Os números são assustadores e preocupantes.
Segundo a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), mais de 200 milhões de meninas, raparigas e mulheres foram alvo de um procedimento que os países mais desenvolvidos consideram monstruoso. "Estima-se que existam, atualmente, cerca de três milhões de raparigas em risco todos os anos. A maior parte delas é circuncidada antes de fazer 15 anos", refere ainda um relatório deste organismo internacional. O Mali, o Sudão, o Egito e a Somália são, a par da Mauritânia e da Etiópia, os países com o maior número de casos conhecidos mas há muito que este problema global ultrapassou as fronteiras do continente africano.
Um estudo elaborado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género comprova-o. As informações recolhidas apontam para um aumento do número de meninas oriundas de países com mutilação genital feminina em risco de serem sujeitas à prática na União Europeia. Na Dinamarca, essa probabilidade continua entre os 11% e os 21%, o que significa que entre 1.408 a 2.568 menores podem vir a sentir o que a ex-modelo e ativista somaliana Waris Dirie descreveu em "Flor do deserto", o livro que publicou em 1998.
"É impossível descrever a dor", garante. "É uma vergonha que uma tortura bárbara, cruel e inútil continue a existir no século XXI", lamenta ainda a antiga embaixadora da ONU contra a mutilação genital feminina, atualmente com 56 anos. Em Espanha, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, o risco da prática situa-se entre 9% a 15%, o que põe entre 3.435 e 6.025 meninas, raparigas e mulheres em risco. Em Portugal, um dos países que criminalizaram a prática, os números são preocupantes.
Em 2019, chegaram ao conhecimento dos profissionais de saúde e das autoridades 129 casos. Em 2020, ano de pandemia, o número desceu para os 101 mas, ainda assim, de acordo com as estimativas das entidades que procuram aprofundar o problema, nos últimos anos, 6.576 mulheres com mais de 15 anos possam ter sido sujeitas a mutilação genital feminina. A primeira sentença condenatória em território nacional, proferida pelo Tribunal Judicial de Sintra, foi conhecida há menos de um mês, no passado dia 8.
Rugui Djaló, cidadã guineense residente em Portugal, foi condenada a uma pena de três anos de prisão efetiva pelo crime de mutilação genital da filha. Maimuna Djaló, que nasceu a 25 agosto de 2017 num hospital português, tinha pouco mais de um ano quando, a 4 de janeiro de 2019, viajou com a mãe para a Guiné-Bissau. Três semanas depois do regresso, no dia 15 de março, levou a filha ao centro de saúde. "Está com uma assadura da grada", alegou. O médico que a atendeu percebeu o que tinha acontecido.
O Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina assinala-se anualmente a 6 de fevereiro, há oito anos. Foi instituído através da resolução 67/146, adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de dezembro de 2012. O primeiro teve lugar a 6 de fevereiro de 2013. Os procedimentos diferem consoante o grupo étnico. Os mais comuns são a remoção do clítoris e do prepúcio clitoriano. Nalgumas regiões, são ainda removidos os grandes e pequenos lábios e é feito o encerramento da vulva.
ATUALIDADE NACIONAL:
A presidente do
Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e
Criança (CNAPN), Fatumata Djau Baldé, convidou os guineenses para não
só assumirem em conjunto a luta contra as práticas nefastas, mas também
dizer não às práticas da mutilação genital feminina na Guiné-Bissau.
A ativista fez o pedido este sábado, 6 de fevereiro, na sua mensagem endereçada aos guineenses, no âmbito da comemoração do dia internacional de luta contra a mutilação genital feminina, que se asinala hoje, 6 de fevereiro.
Na sua mensagem, a presidente do Comité disse que, para a comemoração desta data instituída há 18 anos, em Adis Abeba (Etiópi) pelas Nações Unidas, foi escolhido o lema: "Acabou o tempo da Inação mundial: Unir, financiar e agir para acabar com a mutilação genital feminina". Por isso, frisou que todas as mulheres e meninas têm a opção de melhor saúde, pelo que, no seu emtender, acabar com a MGF é essencial para garantir essa chance, sublinhando que "esta é grande oportunidade para o empoderamento das meninas e mulheres, porque 6 de fevereiro é todos os dias".
"Há quase um ano, o mundo inteiro se defronta com a COVID-19, uma pandemia devastadora nos planos humano, material e financeiro que compromete políticas, programas e projetos de desenvolvimento. Essa situação já se dá num terreno desfavorável, pois, apesar da importância do combate à MGF, governos e organismos internacionais ainda não atribuem a essa causa, um lugar importante em seus programas de desenvolvimento" disse, afirmando que, na Guiné-Bissau, até hoje, nenhum dos sucessivos governos conseguiu alocar no seu orçamento fundos destinados ao combate a esta prática nociva, apesar da existência de politicas públicas para o seu combate.
A presidente dedicou ainda a data a memória do falecido vice-presidente, Professor e Imame, Malam Djassi, que nunca popou o esforço na luta pela erradicação desta prática na Guiné-Bissau e no mundo.
Eis na íntegra o discurso da presidente do CNAPN, Fatumata Djau Baldé.
Senhoras e senhores,
6 de fevereiro, Um encontro, um recordar, de que o mundo inteiro comemora hoje este dia, dia internacional de tolerância zero à prática de Mutilação Genital Feminina, data adotado pelas Nações Unidas em Addis Abeba, Etiópia, a 6 de Fevereiro de 2003, durante uma conferência internacional organizado pelo Comitê Interafricano de Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde de Mulheres e Crianças (CI-AF).
Estamos a recordar hoje o sofrimento que nos foi imposto pelo facto de termos nascido mulher, Um fenômeno, que afeta milhões de mulheres e meninas em todo o mundo e que leva Homens e mulheres comprometidos com a causa, em combate Diariamente.
Muitas associações, organizações e instituições de diversas áreas aumentam a conscientização. Por isso a luta deve continuar. Não importa o lugar, a cada minuto. Não devemos esperar pelo testemunho de uma sobrevivente, para percebermos o dano indescritível da prática. Deixe a sua voz ser ouvida.
Afirma que todas as mulheres e meninas têm a opção de melhor saúde, acabar com a MGF é essencial para garantir essa chance, esta é grande oportunidade para o empoderamento das meninas e mulheres. 6 de fevereiro é todos os dias....
Para reafirmar a luta, para acabar com a violação dos direitos das meninas e mulheres, para que ninguém mais sofra mutilações apelamos a criação de uma dinâmica no seio da camada juvenil com o compromisso de todos, para liderar a luta contra a MGF. Não seja mais testemunha das consequências nefastas para a saúde das mulheres. Seja parte e voz para o seu combate.
Neste 18º ano da comemoração desta data, sob o lema: “Acabou o tempo da Inação mundial: unir, financiar e agir para acabar com a mutilação genital feminina".
Há quase um ano, o mundo inteiro se defronta com a COVID-19, uma pandemia devastadora nos planos humano, material e financeiro que compromete políticas, programas e projetos de desenvolvimento . Essa situação já se dá num terreno desfavorável, pois, apesar da importância do combate à MGF, governos e organismos internacionais ainda não atribuem a essa causa, um lugar importante em seus programas de desenvolvimento. Na Guiné-Bissau, até hoje, nenhum dos sucessivos governos conseguiu alocar no seu orçamento, fundos destinados ao combate a esta prática nociva, apesar da existência de politicas públicas para o seu combate.
Além disso, durante uma década, houve uma crescente escassez de recursos alocados para programas voltados para a eliminação da mutilação genital feminina. É por isso que o lema de 6 de fevereiro deste ano, soa o alarme para que nada, nem mesmo a COVID-19 seja desculpa para justificar a ausência, a lentidão ou a redução dos esforços humanos, materiais e financeiros necessários à realização do nosso objetivo comum de atingir a Tolerância Zero à MGF até o ano 2030, conforme definido nos ODS.
Graças ao apoio dos nossos parceiros que aproveitamos aqui para agradecer, e o compromisso das organizações que lutam pela protecção e promoção dos direitos humanos das crianças, meninas e mulheres, a conscientização em relação a prática aumenta cada dia mais.
Por isso é urgente agir hoje......
Quem ama protege, por isso convido a todas e todos a dizerem não a Prática.
Neste 18° ano da comemoração desta data, o Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas, dedica esta data a memoria do seu vice-presidente, Professor e Imame, Malam Djassi, que nunca poupou o esforço na luta pela erradicação desta prática na Guiné-Bissau e no mundo.
Notabanca; 06.02.2021
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