ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DENUNCIAM "CUMPLICIDADE" DE MACRON COM SISSOCO
O Espaço de
Concertação das Organizações da Sociedade Civil da Guiné-Bissau (EdC) e a Frente
Popular (FP) denunciam a "cumplicidade" do Chefe de Estado francês,
Emmanuel Macron, com Umaro Sissoco Embaló, a quem chamam de
"Ex-Presidente" e lançam vários alertas sobre a situação na
Guiné-Bissau.
O EdC e a FP afirmam que Macron "tem contribuído" para a consolidação de um regime autocrático e ditatorial na Guiné-Bissau.
Em Carta
Aberta endereçada ao Presidente de França, datada de 14 de março, à qual a
Capital FM teve acesso, esta segunda-feira, as duas organizações não poupam nas
críticas a Emmanuel Macron, a quem alertam que "a continuidade de apoio a
Umaro Sissoco Embaló, fora da Constituição guineense e sem a legitimidade
popular, seria uma afronta ao povo da Guiné-Bissau".
Essas
organizações da sociedade civil exigem ainda do Presidente de França o respeito
às aspirações do povo guineense de viver em liberdade e dignidade, respeitando
os "mais sagrados valores da humanidade".
Antes de
dirigir diretamente a Emmanuel Macron, o EdC e a FP fizeram uma longa
explanação, na carta, sobre os acontecimentos nefastos que marcaram a
Guiné-Bissau e a sua democracia nos últimos anos, destacando as graves
violência dos direitos humanos, durante o mandato presidencial de Sissoco
Embaló, que as organizações consideram "amigo" do Presidente francês.
Eis, na
íntegra, a missiva.
Excelência,
O povo da
Guiné-Bissau está a travar uma árdua luta contra um regime de cariz autocrático
e ditatorial encabeçado por Umaro Sissoco Embaló cujo mandato terminou no dia
27 de fevereiro último e que por teimosia, desprezo à Constituição da República
e demais leis em vigor no país, continua ilegalmente a ocupar o Palácio
Presidencial com uma clara cumplicidade das forças armadas, cuja missão é
garantir o respeito pela Constituição da República e pela legalidade democrática.
Na sua saga
de desmantelamento do edifício democrático no nosso país, o ex-Presidente Umaro
Sissoco Embaló tem igualmente beneficiado de estranha conivência e cumplicidade
de lideranças no Ocidente, com especial destaque a República de França, liderada
por Sua Excelência, que tem exercido influências diretas sobre alguns Chefes de
Estado da CEDEAO, condicionando o seu posicionamento em relação à cruel
ditadura vigente na Guiné-Bissau.
As aparentes
relações diplomáticas que a Sua Excelência Sr. Presidente mantém com o Sr.
Umaro Sissoco Embaló, não só são absolutamente alheias aos interesses dos povos
guineenses e franceses, mas também, colidem frontalmente com os valores e
principios fundadores da República de França, um país de democracia, de
direitos e de liberdades.
Por
conseguinte, os seus contínuos apoios pessoais ao regime ditatorial de Umaro
Sissoco Embaló, são tidos como um patrocínio inequívoco que tem contribuído
para a consolidação do regime autocrático na Guiné-Bissau com um real contágio
a nível regional, em nome da agenda fundamentalista obscura e alheia aos
interesses dos povos da Guiné-Bissau e da França.
Aliás, o
silêncio ensurdecedor de Sua Excelência e demais autoridades francesas em
relação às atrocidades cometidas na Guiné-Bissau nos últimos cinco anos,
largamente divulgadas pela imprensa internacional, francesa em particular, além
de estar em flagrante contradição com a tradição democrática da França, ameaça
fortemente os pilares das relações históricas entre os nossos dois povos.
Senhor
Presidente da República,
Em 2024, numa cerimónia 'improvis
ada em Paris, o Sr. Umaro Sissoco Embaló recebeu das mãos de Sua Excelência a mais alta distinção da França que deixou o povo guineense estupefato sobre os critérios dessa atribuição e que, no nosso entender, não passou de uma operação que visa dois objectivos: branquear as nódoas da ditatura na Guiné-Bissau e oficializar
o pacto
selado com este novo aliado na África Ocidental, num contexto de incertezas
marcadas pela retirada militar forjada da França em vários países da Africa
Ocidental e do Sahel.
Curiosamente,
após esta distinção em Paris, um grupo de cidadãos guineenses residentes em
França foi brutalmente agredido por agentes de segurança de Sissoco em plena
luz do dia e na presença deste, sem que as autoridades francesas se
pronunciassem sobre o sucedido até à presente data.
Ao aceitar
embarcar na piroga ditatorial de Sissoco Embaló, o senhor Presidente Macron
está a prestar um péssimo serviço ao povo francês e está a contribuir para
alimentar ressentimentos legítimos do povo guineense em relação ao papel da
França na instabilidade que assola a África Ocidental, a Guiné-Bissau em
particular.
Pois, o
heróico povo guineense aspira viver em liberdade, justiça e prosperidade, numa
África livre e próspera como sonharam Amílcar Cabral, Kwame Nkrumah, Cheikh
Anta Diop, Patrice Lumbumba, Nelson Mandela, Thomas Sankara.
A agenda
ditatorial, iniciada em 27 de fevereiro de 2020 com a assunção do poder à
margem da Constituição enquanto decorria um contencioso eleitoral no Supremo
Tribunal de Justiça, destruiu os fundamentos da democracia e colocou as
principais instituições republicanas, nomeadamente o Supremo Tribunal de
Justiça, a Assembleia Nacional Popular, a Procuradoria Geral da República e o
Tribunal de Contas sob tutela direta de desmandos do ditador Umaro Sissoco
Embaló.
A
institucionalização de esquadrões de tortuna na Presidência da República e no
Ministério do Interior com mais de uma centena de vítimas dentro e fora do
país, através de raptos, sequestros e espancamentos contra opositores,
jornalistas, ativistas e defensores de direitos humanos, é uma realidade
conhecida e registada em vários relatórios das organizações de direitos humanos
guineenses e internacionais.
Durante o
mandato do seu amigo Umaro Sissoco Embaló, as liberdades fundamentais,
liberdades laborais e sindicais foram confiscadas e suprimidas através de
medidas inconstitucionais e ilegais que violam o direito internacional de
direitos humanos. Igualmente, o nosso país tornou-se um refém do crime
organizado, tráfico de droga, enquanto a população está mergulhada numa penúria
sem precedente acentuada pela inflação galopante e pelo endividamento público
exponencial.
Senhor Presidente da República,
Perante os
fatos acima descritos, nós cidadãos guineenses reagrupados em mais de 50
organizações cívicas e sociais, fazemos uso deste meio para:
I -
Denunciar a persistente cumplicidade do Sr. Presidente Emmanuel Macron com o
ex-Presidente Sissoco Embaló, que tem contribuído para a consolidação de um
regime autocrático e ditatorial na Guiné-Bissau;
2 —
Alertar-lo e a opinião pública internacional, francesa em particular, sobre os
perigos que a ditadura sissocoquista representa para a Guiné-Bissau e para toda
a África Ocidental, a qual mina todos os esforços coletivos em curso com vista
à consolidação da paz e estabilidade governativa na sub-região.
3- Lembrar a
Sua Excelência que um país como a França conhecido pela trajetória de luta do
seu povo em prol da liberdade e da dignidade da pessoa humana, não pode ser
cúmplice de regimes ditatoriais como é o caso atualmente na Guiné-Bissau. Pois,
a liberdade, a igualdade e a fraternidade são valores universais que sempre
inspiraram resistências dos povos, incluindo a do povo francês. São esses valores
que devem permanecer e sustentar os pilares axiológicos das relações de amizade
entre as nações democráticas, na medida em que só uma democracia existe;
4- Lembrar a
Sua Excelência que a mesma chama que ontem levou o heróico povo deste
território sob liderança corajosa e visionária de Amílcar Cabral a consentir
sacrifícios, sangue e suor, pela afirmação da sua autodeterminação, continua a
ser a mesma que hoje anima as aspirações da juventude guineense em prol de
liberdade, soberania e prosperidade;
5- Alertar a
Sua Excelência que a persistência em apoiar o ex-Presidente Umaro Sissoco
Embalo, no poder sem legitimidade popular e contra a Constituição do país,
seria mais uma afronta à Guiné-Bissau que o seu povo está determinado a
combater sem reserva e sem tréguas.
6-
Reconhecer que o mundo enfrenta desafios múltiplos cada vez mais exigentes e
complexos que só serão vencidos mediante uma sinergia de contribuições e
sabedorias de nações verdadeiramente livres e democráticas. Contudo, os
investimentos e patrocínios consentidos a favor de agendas ditatoriais em
África e em qualquer parte do mundo provocarão inelutavelmente a ira dos povos.
7- Exigir de
Sua Excelência o respeito pelas legitimas aspirações do povo guineense de viver
em liberdade, dignidade, e convivência pacifica com outros povos irmãos, na
observância dos mais sagrados valores da humanidade.
8- Reiterar
a nossa firme determinação em convocar o povo guineense nos próximos dias para
combater à ditadura e colocar o usurpador Umaro Sissoco Embaló fora do Palácio
Presidencial, e por conseguinte, restablecer a normalidade constitucional e
criar condições para a realização do bem-estar para todo o povo africano da
Guiné-Bissau.
Na
expetativa de que compreenda o espirito e alcance da presente Carta Aberta, queira
Sua Excelência Sr. Presidente da República, aceitar os protestos da nossa
elevada consideração.
REPUBLIKA I
ANOS!
Bissau, 14
de março de 2025
Atentamente,
Frente
Popular e Espaço de certação das
Organizações da Sociedade Civil
Notabanca; 17.03.2025
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