segunda-feira, 17 de março de 2025

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DENUNCIAM "CUMPLICIDADE" DE MACRON COM SISSOCO

O Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil da Guiné-Bissau (EdC) e a Frente Popular (FP) denunciam a "cumplicidade" do Chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, com Umaro Sissoco Embaló, a quem chamam de "Ex-Presidente" e lançam vários alertas sobre a situação na Guiné-Bissau.

O EdC e a FP afirmam que Macron "tem contribuído" para a consolidação de um regime autocrático e ditatorial na Guiné-Bissau.

Em Carta Aberta endereçada ao Presidente de França, datada de 14 de março, à qual a Capital FM teve acesso, esta segunda-feira, as duas organizações não poupam nas críticas a Emmanuel Macron, a quem alertam que "a continuidade de apoio a Umaro Sissoco Embaló, fora da Constituição guineense e sem a legitimidade popular, seria uma afronta ao povo da Guiné-Bissau".

Essas organizações da sociedade civil exigem ainda do Presidente de França o respeito às aspirações do povo guineense de viver em liberdade e dignidade, respeitando os "mais sagrados valores da humanidade".

Antes de dirigir diretamente a Emmanuel Macron, o EdC e a FP fizeram uma longa explanação, na carta, sobre os acontecimentos nefastos que marcaram a Guiné-Bissau e a sua democracia nos últimos anos, destacando as graves violência dos direitos humanos, durante o mandato presidencial de Sissoco Embaló, que as organizações consideram "amigo" do Presidente francês.

Eis, na íntegra, a missiva.

Excelência,

O povo da Guiné-Bissau está a travar uma árdua luta contra um regime de cariz autocrático e ditatorial encabeçado por Umaro Sissoco Embaló cujo mandato terminou no dia 27 de fevereiro último e que por teimosia, desprezo à Constituição da República e demais leis em vigor no país, continua ilegalmente a ocupar o Palácio Presidencial com uma clara cumplicidade das forças armadas, cuja missão é garantir o respeito pela Constituição da República e pela legalidade democrática.

Na sua saga de desmantelamento do edifício democrático no nosso país, o ex-Presidente Umaro Sissoco Embaló tem igualmente beneficiado de estranha conivência e cumplicidade de lideranças no Ocidente, com especial destaque a República de França, liderada por Sua Excelência, que tem exercido influências diretas sobre alguns Chefes de Estado da CEDEAO, condicionando o seu posicionamento em relação à cruel ditadura vigente na Guiné-Bissau.

As aparentes relações diplomáticas que a Sua Excelência Sr. Presidente mantém com o Sr. Umaro Sissoco Embaló, não só são absolutamente alheias aos interesses dos povos guineenses e franceses, mas também, colidem frontalmente com os valores e principios fundadores da República de França, um país de democracia, de direitos e de liberdades.

Por conseguinte, os seus contínuos apoios pessoais ao regime ditatorial de Umaro Sissoco Embaló, são tidos como um patrocínio inequívoco que tem contribuído para a consolidação do regime autocrático na Guiné-Bissau com um real contágio a nível regional, em nome da agenda fundamentalista obscura e alheia aos interesses dos povos da Guiné-Bissau e da França.

Aliás, o silêncio ensurdecedor de Sua Excelência e demais autoridades francesas em relação às atrocidades cometidas na Guiné-Bissau nos últimos cinco anos, largamente divulgadas pela imprensa internacional, francesa em particular, além de estar em flagrante contradição com a tradição democrática da França, ameaça fortemente os pilares das relações históricas entre os nossos dois povos.

Senhor Presidente da República,

Em 2024, numa cerimónia 'improvis


ada em Paris, o Sr. Umaro Sissoco Embaló recebeu das mãos de Sua Excelência a mais alta distinção da França que deixou o povo guineense estupefato sobre os critérios dessa atribuição e que, no nosso entender, não passou de uma operação que visa dois objectivos: branquear as nódoas da ditatura na Guiné-Bissau e oficializar

o pacto selado com este novo aliado na África Ocidental, num contexto de incertezas marcadas pela retirada militar forjada da França em vários países da Africa Ocidental e do Sahel.

Curiosamente, após esta distinção em Paris, um grupo de cidadãos guineenses residentes em França foi brutalmente agredido por agentes de segurança de Sissoco em plena luz do dia e na presença deste, sem que as autoridades francesas se pronunciassem sobre o sucedido até à presente data.

Ao aceitar embarcar na piroga ditatorial de Sissoco Embaló, o senhor Presidente Macron está a prestar um péssimo serviço ao povo francês e está a contribuir para alimentar ressentimentos legítimos do povo guineense em relação ao papel da França na instabilidade que assola a África Ocidental, a Guiné-Bissau em particular.

Pois, o heróico povo guineense aspira viver em liberdade, justiça e prosperidade, numa África livre e próspera como sonharam Amílcar Cabral, Kwame Nkrumah, Cheikh Anta Diop, Patrice Lumbumba, Nelson Mandela, Thomas Sankara.

A agenda ditatorial, iniciada em 27 de fevereiro de 2020 com a assunção do poder à margem da Constituição enquanto decorria um contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, destruiu os fundamentos da democracia e colocou as principais instituições republicanas, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça, a Assembleia Nacional Popular, a Procuradoria Geral da República e o Tribunal de Contas sob tutela direta de desmandos do ditador Umaro Sissoco Embaló.

A institucionalização de esquadrões de tortuna na Presidência da República e no Ministério do Interior com mais de uma centena de vítimas dentro e fora do país, através de raptos, sequestros e espancamentos contra opositores, jornalistas, ativistas e defensores de direitos humanos, é uma realidade conhecida e registada em vários relatórios das organizações de direitos humanos guineenses e internacionais.

Durante o mandato do seu amigo Umaro Sissoco Embaló, as liberdades fundamentais, liberdades laborais e sindicais foram confiscadas e suprimidas através de medidas inconstitucionais e ilegais que violam o direito internacional de direitos humanos. Igualmente, o nosso país tornou-se um refém do crime organizado, tráfico de droga, enquanto a população está mergulhada numa penúria sem precedente acentuada pela inflação galopante e pelo endividamento público exponencial.

Senhor Presidente da República,

Perante os fatos acima descritos, nós cidadãos guineenses reagrupados em mais de 50 organizações cívicas e sociais, fazemos uso deste meio para:

I - Denunciar a persistente cumplicidade do Sr. Presidente Emmanuel Macron com o ex-Presidente Sissoco Embaló, que tem contribuído para a consolidação de um regime autocrático e ditatorial na Guiné-Bissau;

2 — Alertar-lo e a opinião pública internacional, francesa em particular, sobre os perigos que a ditadura sissocoquista representa para a Guiné-Bissau e para toda a África Ocidental, a qual mina todos os esforços coletivos em curso com vista à consolidação da paz e estabilidade governativa na sub-região.

3- Lembrar a Sua Excelência que um país como a França conhecido pela trajetória de luta do seu povo em prol da liberdade e da dignidade da pessoa humana, não pode ser cúmplice de regimes ditatoriais como é o caso atualmente na Guiné-Bissau. Pois, a liberdade, a igualdade e a fraternidade são valores universais que sempre inspiraram resistências dos povos, incluindo a do povo francês. São esses valores que devem permanecer e sustentar os pilares axiológicos das relações de amizade entre as nações democráticas, na medida em que só uma democracia existe;

4- Lembrar a Sua Excelência que a mesma chama que ontem levou o heróico povo deste território sob liderança corajosa e visionária de Amílcar Cabral a consentir sacrifícios, sangue e suor, pela afirmação da sua autodeterminação, continua a ser a mesma que hoje anima as aspirações da juventude guineense em prol de liberdade, soberania e prosperidade;

5- Alertar a Sua Excelência que a persistência em apoiar o ex-Presidente Umaro Sissoco Embalo, no poder sem legitimidade popular e contra a Constituição do país, seria mais uma afronta à Guiné-Bissau que o seu povo está determinado a combater sem reserva e sem tréguas.

6- Reconhecer que o mundo enfrenta desafios múltiplos cada vez mais exigentes e complexos que só serão vencidos mediante uma sinergia de contribuições e sabedorias de nações verdadeiramente livres e democráticas. Contudo, os investimentos e patrocínios consentidos a favor de agendas ditatoriais em África e em qualquer parte do mundo provocarão inelutavelmente a ira dos povos.

7- Exigir de Sua Excelência o respeito pelas legitimas aspirações do povo guineense de viver em liberdade, dignidade, e convivência pacifica com outros povos irmãos, na observância dos mais sagrados valores da humanidade.

8- Reiterar a nossa firme determinação em convocar o povo guineense nos próximos dias para combater à ditadura e colocar o usurpador Umaro Sissoco Embaló fora do Palácio Presidencial, e por conseguinte, restablecer a normalidade constitucional e criar condições para a realização do bem-estar para todo o povo africano da Guiné-Bissau.

Na expetativa de que compreenda o espirito e alcance da presente Carta Aberta, queira Sua Excelência Sr. Presidente da República, aceitar os protestos da nossa elevada consideração.

REPUBLIKA I ANOS!

Bissau, 14 de março de 2025

Atentamente,

Frente Popular e Espaço de certação das

Organizações da Sociedade Civil





Notabanca; 17.03.2025

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