O QUE ESTEVE NA ORIGEM DO GOLPE NO NÍGER?
Insegurança, crise económica, questão étnica, presença de forças estrangeiras e fragilidade dos organismos regionais precipitaram o golpe de Estado no país que tem sido aliado do Ocidente. Ainda não é claro se os militares vão negociar com os ocidentais ou se pretendem virar-se para o grupo Wagner.
O general Abdourahamane Tchiani declarou-se chefe de Estado na televisão.
Numa reunião de emergência em Abuja, a 30 de julho, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) exigiu
a “libertação e restauração imediata” do presidente eleito do Níger, Mohamed Bazoum, detido pelos militares desde 19 de julho.
A organização regional deu aos militares nigerianos um ultimato
de uma semana para cumprir com esta determinação e avisou que tomaria todas as medidas necessárias, incluindo o recurso à força, para restaurar a ordem constitucional.
A 28 de julho, o chefe da guarda presidencial do Níger, o general Abdourahamane Tchiani, autoproclamou-se
chefe de Estado após a tomada do poder pelos militares. Além de alertarem contra qualquer intervenção regional ou estrangeira, os chefes militares do Níger não deram qualquer indicação sobre o caminho a seguir.
Este golpe de Estado terá um impacto significativo na paz e estabilidade no Níger e em toda a região do Sahel. Apesar do Níger ter conhecido recentemente o seu regime democrático mais duradouro desde a independência, a ameaça de um golpe esteve sempre presente. Quando Bazoum foi eleito presidente em 2021, ocorreu uma tentativa de golpe
cerca de 48 horas antes da sua tomada de posse. Falhou porque a guarda presidencial repeliu os golpistas.
Como expliquei
então, a tentativa de golpe revelou profundas divisões no país. Sublinhei que os militares não tinham aderido totalmente à democracia.
Os atuais golpistas para se justificar invocaram o pretexto da insegurança crescente e da ausência de crescimento económico. D
que a intervenção era necessária para evitar “a destruição gradual e inevitável” do país. Acredito, porém, que outros fatores precipitaram o último golpe de Estado. Trata-se da questão étnica, da presença de forças estrangeiras e da fragilidade dos organismos regionais.
QUE FATORES CONTRIBUÍRAM PARA O GOLPE?
Não há nenhuma dúvida de que o aumento da insegurança e a de
gradação das perspetivas económicas
contribuíram para fragilizar o país.
Apesar do aumento dos efetivos de forças estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos
e França e bases militares no Níger, os dirigentes não conseguiram deter os ataques dos grupos insurgentes. Vários grupos insurgentes, como os filiados na Al-Qaeda e no Estado Islâmico, assim como o Boko Haram, operam no país. Os seus ataques fizeram milhares de mortos e deslocados na última década. Na capital, Niamey, centenas de jovens juntaram-se para celebrar o golpe de julho, brandindo bandeiras russas e cantando “Wagner”. Isto sugere que alguns nigerianos acreditam que o exército, apoiado pela Rússia e pela empresa militar privada Grupo Wagner
seria mais eficaz no combate aos grupos insurgentes.
Para além da insegurança e da estagnação económica, três outros fatores ajudam a explicar o recente golpe.
Antes de mais, o debate sobre a etnicidade e legitimidade de Bazoum foi um tema durante a última campanha eleitoral. Bazoum pertence à minoria étnica árabe do Níger e sempre foi etiquetado
como tendo origens estrangeiras. Isto não foi aceite no seio do exército, que é composto principalmente por outros grupos étnicos mais importantes, embora Bazoum tenha conquistado cerca de 56% dos votos e pertença ao mesmo partido do ex-presidente Issoufou. No país, dá-se muita importância é dada à composição étnica do exército, o que permitiu a Issoufou completar os seus dois mandatos enquanto presidente. As nomeações no exército são feitas de acordo com critérios étnicos
.
Em segundo lugar, o grande número de tropas estrangeiras e bases militares no país não foi bem recebido pelos militares. Pensam que isso os enfraquece. O Níger é um aliado chave dos países ocidentais na luta contra a insurgência na região. E os enormes investimentos
da França no setor da mineração do Níger são uma razão adicional para o seu interesse na segurança do país. Em 2019, os Estados Unidos abriram uma base de drones no Níger, apesar dos protestos. Como já sublinhei, a base de drones pode tornar o Níger um alvo para terroristas e aumentar a instabilidade. Em 2022, a França e outros aliados europeus retiraram as suas forças do vizinho Mali. Bazoum apressou-se a convidá-los para o Níger. O comando militar nigeriano
e algumas pessoas influentes no país denunciaram o aumento das forças estrangeiras.
Em terceiro lugar, penso que o fracasso de organizações regionais como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Africana em assumir uma posição firme contra os golpes militares na Guiné, Burkina Faso e Mali deu asas aos militares do Níger. Os líderes da CEDEAO ameaçaram
usar a força para restaurar Bazoum nas suas funções se os golpistas não o fizerem. Nos últimos quatro anos, houve sete golpes de Estado
na região. Três deles bem sucedidos. Os líderes da CEDEAO e da União Africana ameaçaram esses três países com sanções, mas nada foi feito para deter outros líderes militares oportunistas.
Numa mesa redonda organizada pelo grupo de reflexão Chatham House London sobre o impacto das intervenções militares na África Ocidental, um dos líderes da região disse ter mantido abertas as linhas de comunicação com os três presidentes militares por cortesia. Isto sugere que não há dissuasão para os golpes militares.
CONSEQUÊNCIAS PARA O NÍGER E A REGIÃO
Este último golpe de Estado tem consequências graves para o Níger e toda a região do Sahel. O Níger é um aliado sólido dos países ocidentais, especialmente França, Estados Unidos e União Europeia, na luta contra a insurgência e na redução da imigração ilegal para a Europa. Os esforços para resolver estas questões serão afetados. E os novos chefes militares vão querer usar estas questões como alavanca nas negociações e forçar a aceitação do novo regime.
Os novos governantes do Níger também poderiam colaborar com o Grupo Wagner para combater a insurgência islamita radical. O líder deste grupo já os felicitou
pela tomada do poder. A influência da Rússia e de Wagner na região podem aumentar. No entanto, o Wagner foi incapaz de impedir a propagação do terrorismo no Mali e no Burkina Faso.
Finalmente, um golpe militar bem-sucedido no Níger seria um sério revés para a democracia na região e na África no seu todo. Os regimes militares da Guiné, Mali e Burkina Faso já planeiam formar uma “aliança militar
”, supostamente para lutar contra a insegurança. Os líderes africanos têm de fazer muito mais para provar que trabalham em prol das populações.
Notabanca: 16.09.2024
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