“GUINÉ-BISSAU NÃO TEM CONDIÇÃO PARA IR AS ELEÇÕES PORQUE ESTÁ REFÉM DA DITADURA E DISORDEM”
A dois meses das eleições legislativas, as forças de segurança bloquearam o acesso da Comissão Permanente ao Parlamento. Analista considera que o Presidente Sissoco Embaló tem papel decisivo para acabar com a crise.O analista político guineense Mariano Pina disse hoje à DW África que a Guiné-Bissau está refém da ditadura e da desordem e que não estão reunidas minimamente as condições para a realização das eleições legislativas antecipadas em 24 de novembro próximo.
A tensão política voltou a aumentar no país esta segunda-feira, com a ocupação da sede da Assembleia Nacional Popular (ANP) pelas forças de segurança. Os membros da Comissão Permanente do Parlamento foram impedidos de aceder às instalações e tiveram de se reunir num dos hotéis da capital guineense.
Na quinta-feira passada, o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló havia ameaçado com consequências, se a Comissão Permanente do parlamento guineense abordasse na reunião do dia seguinte a situação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), algo que acabou por acontecer.
Em entrevista à DW África, o jurista Mariano Pina começa por caraterizar o ambiente que se vive na Guiné-Bissau neste momento.
DW África: A que estamos a assistir na Guiné-Bissau?
Mariano Pina (MP): Nós estamos a assistir a mais um golpe de Estado na Guiné-Bissau. Fundamento isso dizendo que a Assembleia Nacional Popular é o supremo órgão legislativo e de fiscalização política, representativo de todos os cidadãos guineenses. Ela é que decide sobre a política interna e externa do Estado. O próprio regimento da Assembleia diz que a Assembleia Nacional Popular é inviolável. O artigo quarto do regimento refere que a administração e segurança da ANP está sob a tutela do presidente do órgão. Quando as forças policiais assaltam a Assembleia Nacional Popular, é golpe de Estado. A Assembleia é o fundamento do Estado; foi ela que proclamou o Estado da Guiné-Bissau e é ali que reside a soberania popular.
DW África: A Guiné-Bissau está a praticamente dois meses das eleições legislativas antecipadas, previstas para 24 de novembro. Que influência os últimos acontecimentos, sobretudo os desta manhã, podem ter na realização do ato eleitoral?
MP: Nós não vamos para as eleições, vamos para uma situação de roubo. Na verdade, não há condições para a realização de eleições nenhumas enquanto não nos debruçarmos sobre a questão da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que está caduca desde 2022 e não tem presidente. Tivemos ainda o processo de atualização dos cadernos eleitorais que não foi fiscalizado pelos partidos, entre os quais a maior coligação política, que é oPAI - Terra Ranka. Portanto, não sabemos como foi feito o processo de atualização dos cadernos e ainda temos uma questão fundamental [por resolver]: o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que não tem juízes e não tem quórum. Há uma pessoa que decide no Supremo, embora o Supremo Tribunal de Justiça decida em plenária. Sem o Supremo Tribunal de Justiça, sem a CNE, como é que vamos para eleições? Quem vai fiscalizar as eleições e qual é a credibilidade dessas entidades?
DW África: Na sua opinião, quais seriam as consequências políticas se as eleições legislativas não tiverem lugar em novembro?
MP: Estamos a viver agora as consequências, a desordem. O Estado está refém da ditadura e da desordem.
DW África: Há algum mecanismo interno para travar a grave crise política na Guiné-Bissau?
MP: O único mecanismo interno para acabar com a crise é o respeito à lei e à Constituição. Deve haver um diálogo entre os atores políticos e alguém que assuma o papel de promover a conciliação nacional, que é o Presidente da República. É ele a pessoa que tem de criar o diálogo e a concórdia nacional - mas o presidente da Assembleia Nacional Popular também. Os dois têm de fazer isso, um é o primeiro e o outro é o segundo órgão do Estado.
Notabanca; 24.09.2024
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