O comandante do pesqueiro brasileiro intercetado em agosto pelas autoridades cabo-verdianas com 2,2 toneladas de cocaína afirmou hoje, em tribunal, que a carga que transportava tinha como destino a Guiné-Bissau, mas desconhecia tratar-se de droga.
No primeiro dia de julgamento deste caso, o Tribunal da Comarca da Praia ouviu o comandante do "Perpétuo Socorro de Abaete II", de bandeira brasileira e que tinha sido convertido em cargueiro para esta viagem, iniciada em julho e assegurada por uma tripulação de cinco brasileiros, com idades de 24 a 48 anos, todos recrutados no estado do Pará.
Em prisão
preventiva desde agosto de 2019, os cinco brasileiros estão acusados pelo
Ministério Público, em coautoria, de crimes de tráfico de droga agravado e
adesão a associação criminosa, no âmbito da operação que levou, então, à
apreensão de 2.256,27 quilogramas (kg) de cocaína, a segunda maior do género pelas
autoridades de Cabo Verde.
Segundo a
acusação do Ministério Público, a droga a bordo do pesqueiro seria descarregada
em alto-mar para outras embarcações e tinha como destino o mercado europeu.
Perante o
juiz, Luís Gregório, 45 anos, recrutado, dias antes, para ser comandante do
"Perpétuo Socorro de Abaete II", explicou que a tripulação não tinha
conhecimento do teor da carga a bordo, sabendo apenas que transportava uma
quantidade de alimentos e 30 mil toneladas de óleo diesel.
"Carregar
e descarregar era com os estivadores", afirmou Luís Gregório, garantindo
que o destino da embarcação, que tinha partido do porto de Belém, estado
brasileiro do Pará, no dia 22 de julho, era a Guiné-Bissau.
Disse ainda
que nunca teve conhecimento que a carga que tinha sido colocada no porão, antes
de chegar ao navio, era droga.
Em causa
está a operação desenvolvida em 01 de agosto de 2019, em alto mar, a quase 400
milhas náuticas (740 quilómetros) de Cabo Verde, por elementos da Polícia
Judiciária e da Guarda Costeira cabo-verdianas, após troca de informação
operacional com o Centro de Análises e Operações Marítimas -- Narcóticos
(MAOC--N), com sede em Lisboa.
O comandante
afirmou que o pesqueiro foi "abordado" em alto mar pelas autoridades
cabo-verdianas, já a 120 milhas náuticas da Guiné-Bissau e quando faltava um
dia para concluir a viagem.
Garantiu
ainda que no momento da abordagem recebeu ordem de detenção, ainda em águas
internacionais, enquadramento que minutos antes já tinha levado o advogado de
defesa a apresentar um requerimento ao juiz, solicitando a anulação de todos os
atos processuais desenvolvidos até ao momento, alegando não ser da competência
do tribunal da Praia.
O advogado
José Enrique afirmou que foram detidos em águas internacionais, fora das competência
das autoridades cabo-verdianas, mas o tribunal, depois de ouvir o Ministério
Público, entendeu pelo indeferimento do requerimento. O juiz da causa afirmou
que a abordagem ao navio, ainda em águas internacionais, foi feita após
autorização das autoridades brasileiras, consultadas em 01 de agosto de 2019 e
conforme convenção das Nações Unidas sobre o tráfico de droga, ratificada por
Cabo Verde.
Acrescentou
que a detenção dos marinheiros e a apreensão da carga só foi consumada dois
dias, no porto da Praia (onde chegaram escoltados pela Guarda Costeira), depois
de confirmado, após testes, que o produto encontrado no porão era cocaína.
"O
Tribunal foi e é competente para julgar", disse o juiz, com a defesa a
interpor recurso do indeferimento para o Tribunal da Relação, mantendo o pedido
de nulidade dos atos processuais praticados.
O comandante
do pesqueiro alegou em tribunal que foi recrutado, no porto de Belém, em julho,
tal como a restante tripulação, por um indivíduo de nome "Raimundo" e
que desconhecia a quantidade e carga que transportava.
"Isso
era com o despachante, à chegada na Guiné-Bissau", afirmou Luís Gregório,
que disse ainda ter acertado um pagamento de 12.000 reais (2.200 euros) para
esta viagem, tendo recebido antes de partir de Belém 2.000 reais (370 euros).
Interrogado
durante uma hora pelo juiz, Ministério Público e defesa, o comandante admitiu
que não sabia quem era o despachante que o aguardaria na Guiné-Bissau e que a
partida do porto brasileiro não foi antecedida de qualquer autorização formal
da Capitania local.
Durante a
sessão de hoje foi ainda ouvido Daniel da Silva, de 47 anos, adjunto de Luís
Gregório no comando do navio, que disse que o destino da carga, segundo os
mapas da viagem, era a "Guiné", ficando depois na dúvida entre a
Guiné-Bissau e a Guiné Conacri.
Garantiu
ainda, tal como o comandante, que recebeu ordem de prisão a bordo do navio
quando o mesmo foi abordado, ainda "no mar da Guiné", fora de águas
cabo-verdianas.
Por esta
viagem, para a qual disse ter sido contratado igualmente pelo armador
"Raimundo", iria receber 5.000 reais (925 euros), 2.000 reais (370
euros) dos quais foram pagos antes de saírem do porto de Belém.
O julgamento
prossegue na terça-feira, no Tribunal da Comarca da Praia.
Notabanca;
09.03.2002
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