segunda-feira, 19 de novembro de 2018

ANGOLA “CAFUNFO” SOB FOGO BALAS DE MILITARES E POLÍCIAS 
“Estávamos a brincar na rua, com os nossos brinquedos, quando vimos a polícia a disparar à nossa frente. Estavam a dar tiros contra as pessoas que estavam a marchar na estrada grande. Éramos dez crianças e fugimos para casa. Deixámos os nossos brinquedos na rua”, conta Teresa Adolfo, de 10 anos, depois de ter presenciado o tiroteio de duas horas que hoje aterrorizou a vila de Cafunfo, no município do Cuango, província da Lunda-Norte.
Forças combinadas das Forças Armadas Angolanas (FAA), Polícia de Intervenção Rápida (PIR), Polícia de Guarda Fronteira (PGF) e agentes da ordem pública (Polícia Nacional) intervieram para dispersar uma marcha pacífica de cerca de 300 simpatizantes do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwé, uma organização ilegal que reivindica a autonomia da região das Lundas, “como a Escócia no Reino Unido”.

Neves Bihihia dirigia-se à farmácia, situada na via principal (Estrada Grande), quando foi atingido no pé direito por um agente identificado como sendo da PIR. Os correspondentes comunitários do Maka Angola deslocaram-se ao Hospital Regional de Cafunfo, onde foram informados sobre o estado crítico do Neves Bihihia. O paciente foi isolado e está sob forte guarda policial.


Pouco antes das 8h00, os manifestantes partiram do Bairro da Elevação rumo à vila de Cafunfo, com efectivos militares e policiais no seu encalço. “As FAA, que inicialmente estavam a seguir os manifestantes, não aguentaram e chamaram a PIR, a PGF e a polícia de ordem pública”, relata o pastor protestante Martinho Rafael, de 37 anos.

“Cercaram os manifestantes nas imediações da estrada principal da vila de Cafunfo e aí iniciaram os tiros por volta das 8h00. Os homens e as mulheres do protectorado dispersaram a tempo”, refere o mesmo pastor.

Segundo Martinho Rafael, que levava a sua motorizada à oficina, “os militares e polícias, de vergonha, começaram a prender inocentes e a espancá-los de forma brutal porque ‘desconseguiram’ prender os homens do protectorado”. O pastor conta ainda ter testemunhado o brutal espancamento de um adolescente seu conhecido por efectivos da PIR, mas cujo nome lhe escapa, que fugia dos tiros e nada tinha a ver com a manifestação. “Tinham de espancar e prender alguém para incluir no relatório deles. Não detiveram os do protectorado que estavam na manifestação”, assevera.

O activista cívico Salvador Fragoso diz que o tiroteio de duas horas “fez lembrar a população de Cafunfo sobre a época da guerra civil. Não havia nada que justificasse duas horas de tiros. Contra quem? Estamos com muito medo”.

Sabino Manuel, um conhecido comerciante local que se encontrava à porta do seu estabelecimento na hora do tiroteio, foi um dos 14 elementos detidos. “O irmão Sabino é um comerciante bem conhecido, até pelos oficiais e agentes da Polícia Nacional. Nós, activistas locais, também conhecemos muito bem este homem e sabemos que nunca teve simpatias pelo movimento regionalista de José Mateus Zecamutchima, o líder do Protectorado da Lunda-Tchokwé. O irmão Sabino é de Benguela”, denuncia Jordan Muacabinza.

Com o anúncio antecipado da manifestação, a vila de Cafunfo acordou em estado de sítio.

“Parece que estamos em situação de guerra aqui em Cafunfo. As ruas estão militarizadas. Não há livre circulação de pessoas. Os populares continuam a ser intimidados”, afirma Jordan Muacabinza.

Segundo Salvador Fragoso, “os homens do Protectorado avisam que vão fazer uma manifestação e, muitas vezes, nem saem do quintal, onde ficam a entoar cânticos, em frente da casa de um dos líderes, André Zende, ou num espaço aberto. Mas isto é suficiente para colocar todas as forças de defesa e segurança em estado de alerta máximo e de guerra”.

O Maka Angola contactou por via telefónica o comandante da Esquadra de Cafunfo para ouvir a versão oficial sobre o tiroteio: “Para mais informações, ligue ao comando municipal”, e desligou abruptamente o telefone. Até à hora da publicação desta matéria, não foi possível contactar o comando municipal. Continuaremos a tentar, para mais esclarecimentos.

A 26 de Junho do ano passado, durante a repressão de uma manifestação do Protectorado no Cuango, um dos seguranças do chefe de Operações do Comando Municipal do Cuango, João Mazanga, matou Pimbi Txifutxi, de 35 anos, com um tiro no abdómen, quando este saía da igreja, de bíblia na mão. Nesse dia, as forças policiais e os militares feriram vários cidadãos e efectuaram dezenas de detenções (ver aqui).


Cafunfo é a única região onde o governo recorre sempre às FAA para reprimir manifestações, por mais insignificantes que sejam.

Notabanca; 19.11.2018

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