ANGOLA “CAFUNFO” SOB FOGO BALAS DE MILITARES E POLÍCIAS
“Estávamos a brincar na rua, com os nossos
brinquedos, quando vimos a polícia a disparar à nossa frente. Estavam a dar
tiros contra as pessoas que estavam a marchar na estrada grande. Éramos dez
crianças e fugimos para casa. Deixámos os nossos brinquedos na rua”, conta
Teresa Adolfo, de 10 anos, depois de ter presenciado o tiroteio de duas horas
que hoje aterrorizou a vila de Cafunfo, no município do Cuango, província da
Lunda-Norte.
Forças combinadas das Forças Armadas Angolanas (FAA), Polícia de Intervenção
Rápida (PIR), Polícia de Guarda Fronteira (PGF) e agentes da ordem pública
(Polícia Nacional) intervieram para dispersar uma marcha pacífica de cerca de
300 simpatizantes do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwé, uma organização
ilegal que reivindica a autonomia da região das Lundas, “como a Escócia no
Reino Unido”.
Neves Bihihia dirigia-se à farmácia, situada na via principal (Estrada Grande),
quando foi atingido no pé direito por um agente identificado como sendo da PIR.
Os correspondentes comunitários do Maka Angola deslocaram-se ao Hospital
Regional de Cafunfo, onde foram informados sobre o estado crítico do Neves
Bihihia. O paciente foi isolado e está sob forte guarda policial.
Pouco antes das 8h00, os manifestantes partiram do Bairro da Elevação rumo à
vila de Cafunfo, com efectivos militares e policiais no seu encalço. “As FAA,
que inicialmente estavam a seguir os manifestantes, não aguentaram e chamaram a
PIR, a PGF e a polícia de ordem pública”, relata o pastor protestante Martinho
Rafael, de 37 anos.
“Cercaram os manifestantes nas imediações da estrada principal da vila de
Cafunfo e aí iniciaram os tiros por volta das 8h00. Os homens e as mulheres do
protectorado dispersaram a tempo”, refere o mesmo pastor.
Segundo Martinho Rafael, que levava a sua motorizada à oficina, “os militares e
polícias, de vergonha, começaram a prender inocentes e a espancá-los de forma
brutal porque ‘desconseguiram’ prender os homens do protectorado”. O pastor
conta ainda ter testemunhado o brutal espancamento de um adolescente seu
conhecido por efectivos da PIR, mas cujo nome lhe escapa, que fugia dos tiros e
nada tinha a ver com a manifestação. “Tinham de espancar e prender alguém para
incluir no relatório deles. Não detiveram os do protectorado que estavam na
manifestação”, assevera.
O activista cívico Salvador Fragoso diz que o tiroteio de duas horas “fez
lembrar a população de Cafunfo sobre a época da guerra civil. Não havia nada
que justificasse duas horas de tiros. Contra quem? Estamos com muito medo”.
Sabino Manuel, um conhecido comerciante local que se encontrava à porta do seu
estabelecimento na hora do tiroteio, foi um dos 14 elementos detidos. “O irmão
Sabino é um comerciante bem conhecido, até pelos oficiais e agentes da Polícia
Nacional. Nós, activistas locais, também conhecemos muito bem este homem e
sabemos que nunca teve simpatias pelo movimento regionalista de José Mateus
Zecamutchima, o líder do Protectorado da Lunda-Tchokwé. O irmão Sabino é de
Benguela”, denuncia Jordan Muacabinza.
Com o anúncio antecipado da manifestação, a vila de Cafunfo acordou em estado
de sítio.
“Parece que estamos em situação de guerra aqui em Cafunfo. As ruas estão
militarizadas. Não há livre circulação de pessoas. Os populares continuam a ser
intimidados”, afirma Jordan Muacabinza.
Segundo Salvador Fragoso, “os homens do Protectorado avisam que vão fazer uma
manifestação e, muitas vezes, nem saem do quintal, onde ficam a entoar
cânticos, em frente da casa de um dos líderes, André Zende, ou num espaço
aberto. Mas isto é suficiente para colocar todas as forças de defesa e
segurança em estado de alerta máximo e de guerra”.
O Maka Angola contactou por via telefónica o comandante da Esquadra de Cafunfo
para ouvir a versão oficial sobre o tiroteio: “Para mais informações, ligue ao
comando municipal”, e desligou abruptamente o telefone. Até à hora da
publicação desta matéria, não foi possível contactar o comando municipal.
Continuaremos a tentar, para mais esclarecimentos.
A 26 de Junho do ano passado, durante a repressão de uma manifestação do
Protectorado no Cuango, um dos seguranças do chefe de Operações do Comando
Municipal do Cuango, João Mazanga, matou Pimbi Txifutxi, de 35 anos, com um
tiro no abdómen, quando este saía da igreja, de bíblia na mão. Nesse dia, as
forças policiais e os militares feriram vários cidadãos e efectuaram dezenas de
detenções (ver aqui).
Cafunfo é a única região onde o governo recorre sempre às FAA para reprimir
manifestações, por mais insignificantes que sejam.
Notabanca; 19.11.2018
Sem comentários:
Enviar um comentário