Angola vai gastar quase 55 milhões de euros com a contratação de professores cubanos para leccionar no ensino superior público do país no actual ano académico de 2017, que termina em Dezembro. Mais grave será se a opção de Angola por Cuba visar apenas um acerto de contas, outras contas, com Portugal. Como parece ser, continuar a ser, o caso.
A informação resulta de dois recentes despachos do Ministério do Ensino Superior angolano, homologando contratos com a empresa Antex, que assegura o recrutamento de especialistas cubanos para leccionarem nas universidades do país, ao abrigo do acordo de cooperação entre os dois governos na área de formação de quadros.
De acordo com o primeiro
destes despachos, a Antex foi contratada para recrutar professores do ensino
superior, por 37,2 milhões de dólares (31,5 milhões de euros), e
especificamente, com o segundo, para docentes para os cursos afectos à área da
Saúde, neste caso por 27,4 milhões de dólares (23,2 milhões de euros). Trata-se
de praticamente a mesma verba que o Estado angolano desembolsou, para o mesmo
efeito, no ano académico de 2016.
A Antex – Antillas
Exportadora, é a empresa cubana que assegura o recrutamento e pagamento de
médicos, professores e engenheiros de construção civil que trabalham em Angola.
A embaixadora de Cuba em
Angola garantiu em Junho de 2016 que os técnicos cubanos que deixaram o país
devido à falta de pagamento por parte do Governo angolano começaram a
regressar, por estar resolvido o problema.
“Basicamente todos os
técnicos continuam cá, há alguns que por algumas condições não podem regressar
por razões pessoais, mas todos os que estão dentro do financiamento, do
orçamento aprovado pelo Governo de Angola para o presente ano, estão a
regressar e alguns já regressaram”, disse na altura Gisela Rivera.
A agência Lusa noticiou em
Agosto de 2015 que o Governo angolano tinha aprovado um crédito de 48 milhões
de euros para pagamento de contratos com a empresa cubana Antex, devido à saída
de profissionais cubanos de Angola.
Em causa estava o atraso no
pagamento do Estado à Antex de milhares de profissionais cubanos recrutados
para trabalhar em Angola.
Segundo dados de 2015 do
Governo angolano, 42% dos médicos e 70% dos profissionais de saúde no país eram
então cubanos, mas a crise em Angola provocada pela quebra nas receitas da
exportação de petróleo levou à partida de muitos destes profissionais. Estes
profissionais recebem os salários pela Antex, que por sua vez cobra o serviço
ao Estado angolano.
As 24 universidades públicas
e 41 privadas que funcionam em Angola disponibilizaram neste ano académico,
iniciado em Março, 111.086 vagas para o ensino superior. Em 2016 estavam
inscritos no ensino superior em Angola 241.284 estudantes, um aumento de 9,2%
face ao ano anterior.
Cuba sim,
Portugal não
Em 2011, na altura das
actividades relativas aos 100 anos da Universidade do Porto (UP) uma delegação
angolana visitou esta Universidade. Deram-se passos importantes ao nível da
cooperação. Mas muito, muito mesmo, ficou por fazer. Ao que parece, Luanda quer
– por exemplo – formar engenheiros mecânicos em Cuba que, nesta matéria, é uma
verdadeira (im)potência mundial…
Na sequência da criação de
oito regiões académicas em Angola, deslocaram-se à UP alguns dos reitores
dessas novas universidades, assim como técnicos ligados ao ministério que
tutela o ensino superior em Angola. Foram pedir ajuda e solicitar cooperação
entre a UP (de facto fizeram um périplo por Portugal e visitaram diversas
universidades) e essas novas universidades.
“Naquela altura tinha algum
tempo disponível e ao ver a notícia do pedido de ajuda dos meus patrícios (sou
natural de Luanda) conversei com o Presidente do Departamento de Engenharia
Mecânica (DEMEC) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e
fomos falar com o Vice-Reitor da UP que tratava da Cooperação”, contou ao Folha
8 Carlos Pinho, professor da FEUP, acrescentando que “ele disse-nos que o
assunto iria muito certamente ser tratado a nível central, nomeadamente do CRUP
(Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas).”
Continuou Carlos Pinho: “Eu
disse ao Vice-Reitor da UP para a Cooperação que ele iria esperar sentado,
porque daquela rapaziada do CRUP e de Lisboa não sairia nada de jeito em tempo
oportuno, e pedi-lhe autorização para, como professor da FEUP e na condição de
natural de Angola, eu tentar por minha iniciativa, responder a pelo menos duas
dessas universidades. Expliquei-lhes, ao Vice-Reitor e ao Director do DEMEC,
que do pondo de vista da Engenharia Mecânica interessava-nos o corredor do
Lobito”.
“Mas não só à Engenharia
Mecânica pois aquilo combinava tudo o que dissesse respeito à engenharia:
Agronomia (Huambo e Bié), Portos (Engenharia Civil – Lobito), Benguela (CFB –
Engenharias Mecânica e Electrotécnica), no futuro Engenharia Química (porque se
previa a construção de uma refinaria do Lobito), etc.”, explica Carlos Pinho,
acrescentando que “tive luz verde do Vice-Reitor e do Director do DEMEC e
posteriormente do Director da FEUP, que é o actual Reitor da UP.”
Habituado a meter mãos á
obra, Carlos Pinho escreveu aos Reitores da Universidade José Eduardo dos
Santos – UJES (Huambo) e Katyavala Bwila – UKB (Benguela) “a propor os nossos
préstimos na elaboração dos planos de estudo dos vários cursos de engenharia
que desejassem.”
Tudo corria bem: “Tive
respostas positivas das duas universidades mas principalmente da UKB”.
Foram então criadas equipas
na FEUP e propostos planos de estudos para vários cursos, Mecânica, Civil e
Química e mais tarde Electromecânica. Diz Folha8.
Carlos Pinho conta que “o
que interessava mais à UKB (e concretamente ao Instituto Politécnico do Lobito
– IPL) de imediato, era o curso de Mecânica. Trabalhamos em conjunto e o
pessoal do IPL da UKB conseguiu ter pronto no início de 2012 um plano de
estudos que enviou para aprovação, para o ministério competente em Luanda.”
“As coisas correram tão bem
com esta interacção entre a FEUP e a UKB (e em certa medida com a UJES) que as
duas universidades convidaram uma equipa da UP a deslocar-se às duas cidades, o
que aconteceu em Dezembro de 2011, quando um grupo de professores da UP passou
uma semana em Angola.”
Mas…
“O problema é que o dossier
que foi enviado para Luanda ficou perdido lá pelo ministério, de tal modo que
já foram enviadas pelo menos mais três cópias do mesmo, a ver se a maldita
aprovação acontece. Mas nada até hoje” (Fevereiro de 2015), lamentava Carlos Pinho.
Entretanto a UKB lá começou
(em 2012, mesmo sem autorização) o curso de Engenharia Mecânica, de tal modo
que no ano lectivo de 2014/2015 mandou para o Porto cinco dos seus melhores
alunos a ver se eles lá completavam o curso, pois não havendo aprovação do
curso pelo governo, a continuação destes jovens em Angola seria um tiro no
escuro.
“A UP, ao abrigo de um
protocolo assinado ente a UP e a UKB e ainda entre o IPL e a FEUP, abriu vagas
para estes cinco alunos e eles para cá vieram. Pretende-se que sejam cinco
futuros docentes do curso de Engenharia Mecânica da UKB. Estamos todos a torcer
por isso, embora estejamos a constatar com tristeza que a sua formação de base
é fraca e que eles têm imensas dificuldades em acompanhar o nosso ritmo de
trabalho”, relatava Carlos Pinho.
Mas há mais. “A cooperação
com a UJES (em termos de Engenharia Mecânica) não deu grande coisa, o curso de
Mecânica que eles se propuseram fazer está baseado no leccionado na
Universidade Agostinho Neto e não é mais do que o antigo curso da Universidade
de Luanda (onde eu estudei até ao 3º ano), o qual está baseado na reforma do
Veiga Simão. Ou seja é um curso que na sua génese tem por base um plano de
estudos com 50 anos!!!”, desabafava num sentido lamento Carlos Pinho.
“Por outro lado, já o plano
de estudos que propusemos à UKB, e que eles aceitaram, teve por base um estudo
que estávamos na altura a fazer e que levou igualmente à reformulação do plano
de estudos, do nosso curso de Engenharia Mecânica aqui na UP”, esclarece do
docente da FEUP.
Dizia Carlos Pinho que,
“nesse estudo de suporte do novo plano de estudos, analisamos os cursos das
melhores universidades do mundo. O plano de estudos proposto, sem
paternalismos, pela UP à UKB, levava em consideração as regras do processo de
Bolonha, ou seja propusemos algo devidamente avançado e ao nível do que se faz
de melhor no mundo e já a pensar em futuros processos de equivalência de graus
entre os diversos países e que, na sua essência, era o mesmo que queríamos para
o nosso nova plano de estudos.”
Com satisfação, Carlos Pinho
diz que “o pessoal do IPL da UKB foi impecável e demonstrou empenho,
profissionalismo e competência na preparação e implementação do mesmo, mas tem
esbarrado com a inépcia de Luanda, pois não há nenhuma resposta ao pedido de
aprovação/homologação do curso”.
Neste contexto, o que se
teme é que, novamente, o governo continue a manter-se virado para Cuba em áreas
que, como as engenharias, os cubanos ainda estão na pré-primária. Mais grave
será se a opção de Angola por Cuba visar apenas um acerto de contas, outras
contas, com Portugal.
Notabanca; 02.10.2017
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