NOVO GOVERNO "PODE COMPROMETER ELEIÇÕES"
Ex-Procurador-Geral guineense denuncia violação da
Constituição. Juliano Fernandes alerta para o risco de prolongamento ilegal do
mandato presidencial, num cenário que considera "extremamente
gravoso" para a democracia.
Fernandes contesta nomeação de novo Governo na
Guiné-Bissau e alerta para "grave precedente" constitucionalFoto: Privat
O dirigente político guineense Juliano Fernandes afirmou, em entrevista à DW, que a nomeação de um novo Governo pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló, a menos de um mês do termo do seu mandato e a pouco mais de três meses das eleições presidenciais, "não faz qualquer sentido" e é "inconstitucional".
O líder do partido da Convergência Nacional para a
Liberdade e o Desenvolvimento (COLIDE) recordou que o próprio Presidente
guineense, em ocasiões anteriores, garantiu publicamente que o Executivo responsável
pela realização das eleições seria o que agora foi exonerado. "Não se
compreende que surja um novo Governo nestas circunstâncias, sobretudo quando o
chefe de Estado deixou de ter competência para emitir decretos desta
natureza", afirmou.
A Constituição da Guiné-Bissau não prevê a formação de
um Governo por iniciativa presidencial. O Governo é constituído pelo partido ou
coligação que detenha a maioria parlamentar, resultante das eleições
legislativas. A lei fundamental do país estabelece ainda que o Chefe de Estado
perde o poder de decretar seis meses antes do termo do seu mandato
presidencial.
Ex-PGR acusa Sissoco Embaló de violar Constituição ao
nomear novo Executivo.
Juliano Fernandes citou ainda declarações antigas
de Sissoco
Embaló, feitas quando era opositor ao então Presidente José Mário Vaz,
nas quais defendia que um chefe de Estado cujo mandato tenha caducado não pode
assinar decretos, salvo se a Assembleia Nacional Popular deliberar sobre a
prorrogação do mandato - algo que, sublinha, "não aconteceu nem aquando do
fim do mandato de José Mário Vaz, nem agora".
Mandato presidencial em risco de prolongamento ilegal?
Na cerimónia de posse do Governo da iniciativa
presidencial liderado por Braima
Camará, Umaro Sissoco Embaló reafirmou que vai continuar a emitir decretos
presidenciais até ser empossado um novo Presidente da República.
Para Juliano Fernandes, a decisão cria um
precedente "extremamente
gravoso" que pode levar, na prática, a mandatos presidenciais de
seis ou sete anos, caso as eleições não sejam realizadas dentro dos prazos
constitucionais. "Basta que não haja eleições para que quem está no cargo
não saia", alertou.
O também advogado e jurista questionou a substituição
do anterior Executivo, alegando que o processo eleitoral estava já 99%
concluído, segundo o ex-primeiro-ministro, Rui Duarte de Barros. "Se as
condições estavam criadas, qual foi o motivo para mudar de Governo?",
interrogou.
FIM DA GOVERNAÇÃO
FORA DA LEI
O dirigente denunciou a existência de uma situação de
"não Estado" desde 4 de dezembro de 2023, com a Assembleia Nacional
Popula (ANP) inoperante e a governação a funcionar "fora do quadro
jurídico-constitucional". Sublinhou que esta realidade é "absolutamente
indesejável" e contrária ao objetivo de consolidar a democracia na
Guiné-Bissau.
Fernandes alerta que mudança no Governo, a semanas do
fim do mandato presidencial, pode prolongar ilegalmente mandatos futuros.
Num apelo à unidade nacional, Juliano Fernandes
defendeu que os atores políticos respeitem os limites das suas competências e
promovam um diálogo que conduza a um calendário eleitoral credível, garantindo
eleições "livres, transparentes e fiáveis". Alertou ainda para a
necessidade de uma Comissão Nacional de Eleições (CNE) independente e de
tribunais capazes de atuar com objetividade e imparcialidade em caso de
litígios.
Apesar de manifestar dúvidas sobre a realização das
eleições na
data prevista, 23 de novembro, Fernandes assegurou a disponibilidade para
participar em qualquer iniciativa que vise resolver a crise política.
"Ninguém é contra ninguém. O que queremos é uma
Guiné-Bissau democrática, desenvolvida e unida na sua diversidade, onde todos
possam contribuir para construir o país", concluiu.
Notabanca; 13.08.2025

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