SE ESTRANGEIROS FOREM EMBORA JAPÃO CORRE RISCO DE NÃO TER GENTE PARA TRABALHAR
extrema-direita fez
da imigração um dos temas da eleição para a câmara alta do parlamento, no
domingo, mas vários residentes lusófonos alertaram que o Japão precisa de
estrangeiros para enfrentar o envelhecimento populacional.
"Se os estrangeiros forem embora daqui, o Japão já não tem para trabalhar. A mão-de-obra, até aqui, para nós também faltam pessoas", disse hoje à Lusa Rogério, de 43 anos, que trabalha num restaurante brasileiro em Osaka (centro-sul).
Nas últimas duas
décadas, o número de trabalhadores no ativo diminuiu em cerca de três milhões.
Até 2040, o Japão deverá enfrentar um défice de mão-de-obra de 11 milhões de
pessoas, de acordo com uma estimativa do Recruit Works Institute.
"Sem
estrangeiros, o Japão para. Japonês não quer trabalhar em qualquer
serviço", explicou à Lusa outro brasileiro, Gilberto, que vive em Toyama,
no centro do país.
No final de 2024, o
Japão tinha 3,76 milhões de residentes estrangeiros, um máximo histórico, mas
que apenas representa 3% da população. De acordo com a legislação em vigor,
nenhum deles tem direito de voto nas eleições de domingo.
Mas isso não impediu
a extrema-direita de apostar numa retórica abertamente xenófoba, ligando a
criminalidade à imigração e prometendo regras mais apertadas para a atribuição
de residência e excluir os estrangeiros dos benefícios sociais.
De acordo com dados
oficiais, em 2024, estrangeiros, incluindo residentes e pessoas em situação
irregular, cometeram 2,2% dos crimes registado no Japão.
"Claro que
estamos tendo problemas hoje em questões de segurança. Tem muitos estrangeiros
que estão vindo para o Japão e estão fazendo muitas coisas erradas",
admitiu Rogério.
"Mas isso de
mandar estrangeiro embora, tem tanta coisa na Internet, mas eu acho que é muito
'fake news' [notícias falsas]", sublinhou o brasileiro.
Fundado em 2020, o
partido de extrema-direita Sanseito tem usado redes e plataformas sociais para
disseminar teorias da conspiração e desinformação xenófoba, observou Jeffrey J.
Hall.
O especialista da
Universidade de Estudos Internacionais de Kanda explicou que as emissoras
japonesas "são legalmente obrigadas a manter a neutralidade política
durante as eleições, pelo que a sua cobertura é muitas vezes bastante
monótona".
"Em contraste,
os canais do YouTube demonstram um extremo alinhamento político e podem obter
enormes visualizações quando promovem mensagens sensacionalistas contra
estrangeiros", disse Hall.
"Os estrangeiros
são usados como alvos para expressar descontentamento", disse Yu Uchiyama,
professor de ciências políticas na Universidade de Tóquio, que estabeleceu um
paralelo com a ascensão da extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos.
Em 08 de julho, oito
organizações de defesa dos direitos dos estrangeiros e refugiados denunciaram a
inclusão de mensagens xenófobas na campanha eleitoral e sublinharam que os
imigrantes não recebem tratamento preferencial no Japão.
Uma opinião
confirmada por Rogério, que destaca ainda "a barreira da língua", que
torna alguns estrangeiros vulneráveis à exploração.
As sondagens sugerem
que o Sanseito, atualmente com dois lugares na Câmara dos Conselheiros, poderá
conquistar mais de dez dos 125 lugares em disputa nas eleições de domingo para
a câmara alta do parlamento, composta por 248 membros.
Com a coligação do
primeiro-ministro Shigeru Ishiba em risco de perder a maioria na Câmara dos
Conselheiros, o partido no poder adotou parcialmente o discurso anti-imigração.
Na terça-feira,
Ishiba inaugurou um gabinete especial para tratar de questões relacionadas com
residentes estrangeiros, dizendo que irá ouvir as preocupações dos japoneses,
incluindo alegados abusos do sistema de segurança social.
Ironicamente, diz
Rogério, que vive no Japão desde os 14 anos, "antigamente até que, sim,
tinha 'bullying', tinha preconceito", porque o país "antes era muito
mais fechado".
Daniel, um angolano
que vive há 14 no Japão, admitiu o peso do choque cultural: "O povo
japonês é muito severo e vais ter que deixar algumas coisas que estás habituado
a fazer, porque aqui tens que seguir mesmo a linha dos japoneses".
Rogério, casado com
uma japonesa e com filhos, sublinhou que atualmente as escolas japonesas
"ajudam as crianças [de estrangeiros] a falar e a escrever o
japonês".
"Eu hoje não
vejo discriminação", garantiu o brasileiro. Quanto aos apelos
anti-imigração, "o japonês não quer isso, ele é aberto aos
estrangeiros", acrescentou.
Notabanca; 20.07.2025

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