ISTO NÃO É UM VIDEOJOGO. DE ONDE VEM A RAIVA E QUEM SÃO OS ADOLESCENTES POR TRÁS DA VIOLÊNCIA NAS RUAS DE FRANÇA
A polícia não entra em muitos destes bairros. Mas é implacável quando apanha qualquer desses jovens em delito fora do terreno deles. Mais de 70% dos detidos nas cadeias de Marselha são pessoas com menos de 30 anos e origem familiar no Magrebe. Muitos estão condenados por pequenos furtos.
A extrema-direita, encabeçada por Marine le Pen, cada vez mais em alta nas sondagens, denuncia uma guerra de civilizações.
Estas “banlieues” são zonas de crise, mesmo de desastre, com relações sociais muito deterioradas.
Ao centro e à esquerda é apontado o falhanço das políticas urbanas e de habitação em torres residenciais rapidamente degradadas que geram cada vez mais “ghettos” de excluídos.
Os jovens destes bairros sentem-se injustiçados, humilhados e hostilizados. Cruzam-se racismo e violência. Muita revolta. Nenhum esforço de integração social. A polícia, distante, em divórcio total, aparece como inimiga principal nesses bairros. Todo o sistema do Estado passou a ser considerado hostil. Estas “banlieues” são zonas de crise, mesmo de desastre, com relações sociais muito deterioradas.
O Estado francês há muitos anos que se mostra débil e incapaz de encontrar respostas para este mal nas periferias. São zonas de segregação social e de discriminação. Está instalada a cultura de repressão, falta a imprescindível, obviamente muito complexa, cultura de integração que a realidade impõe. É a condição para evitar guerrilhas em escalada.
Entre a ordem e a justiça
É assim que a tragédia de um polícia com disparo fácil a matar desencadeou este incêndio social. E a natural sensação de insegurança – também de indignação – entre a maioria da população que exige ao Estado que garanta a boa ordem. Fica instalado terreno fértil para Le Pen, Zémmour e outras extremas políticas com discurso identitário e securitário
Este fogo há-de ser controlado. Mas o potencial para novas espirais de violência permanece. Os tumultos destes últimos dias também mostram que há profissionais da agitação a explorar a fúria dos jovens.
O trabalho da polícia é muito árduo. Mas parece evidente que a polícia francesa não está formada com competências que favoreçam intervenções inclusivas em vez de ampliar a hostilidade.
Está a ser questionado o posicionamento habitual da polícia francesa: há quem defenda que deveria substituir a recorrente imagem ostensiva de demonstração de força pela de polícia de proximidade ao serviço dos cidadãos.
A lei em vigor abre a via para o disparo fácil por parte da polícia – e há muita gente a concordar que assim seja.
En quanto tudo isto acontece, o terreno social em França continua fértil para novos incêndios.
Notabanca; 03.07.2023
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